Pato

O vento bate tão forte que gela até os ossos. Pernas tremem, dentes batem, nem o sol esquenta o necessário. Ah, o frio! Deixa tudo mais gelado mesmo, até o que antes esquentava e fermentava a alma. Mas o frio na medida certa é bom, só não deixar a brisa forte bater na base da fogueira, pra não apagar a chama que insiste em queimar, mesmo depois de anos se fodendo, calejando, indo e voltando, partindo e voltando sempre do/ao mesmo lugar.

Essa lei do eterno retorno confunde tudo, bagunça o que já estava quieto e inquieta o que já estava em ordem. Reflexo do fluxo de sentimentos e informações dos últimos anos. Planos se frustram com o passar do tempo e a inércia. Esperar demais de outro alguém no final só fode tudo. Mas assim como um computador trava se ficar segurando muito tempo a mesma tecla, o cérebro do ser humano também trava quando a persistência é inútil.

Hoje, quem briga por direitos melhores é taxado de louco, vândalo, revoltado, vagabundo. Fazer parte do sistema é praticamente uma obrigação, e ai de quem ousar desafiá-lo. “Protestar pra quê? Deveria ter protestado antes.” Continuamos a justificar a inércia com um discurso cada vez mais egoísta e ambíguo. Reclama do “nóia” que roubou o celular novo e caro, mas não move uma palha pra melhorar o mundo em que se vive. Pior coisa é colocar a culpa no Governo.

Ser “do contra” é enfrentar sempre um obstáculo. Bater de frente com pai, mãe, vizinho, cobrador de ônibus, com a idosa da fila do banco. Bater de frente com professor “coxinha”, com colega de classe idiota. Bater de frente com chefe, com autoridade (?). (Re)negar o que se passa na TV, abdicar de jornais e revistas sensacionalistas e formadoras de opiniões direitistas. Abrir mão de bens materiais e se preocupar mais com o interior, abrir mão de bens materiais e se apegar a natureza, ao momento, ao companheirismo. Está cada vez mais difícil levantar a cabeça. Ser taxado de louco, de doido, de maconheiro.

Mas ainda sim, o que não pode é ficar em cima do muro.

Entre o doido e o doído, eu prefiro o sem acento.



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EU?

Músico, escritor, inquieto e hiperativo. Meu joelho treme no frio e minha pálpebra treme quando to no limite. Um café e um cigarro caem bem. Bateria pra aliviar e conectar, música pra sorrir e deixar fluir. Gratidão nem sempre vem, mas sempre tem.

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